O conceito de bem de família no ordenamento jurídico brasileiro é um dos pilares da proteção ao direito à moradia, fundamental para a dignidade da pessoa humana e o bem-estar da família. No Brasil, existem duas formas de garantir essa proteção: o
bem de família legal e o
bem de família voluntário. Ambos têm como finalidade proteger o imóvel utilizado como moradia, mas se distinguem em termos de constituição, regulamentação e efeitos práticos. Recentemente, a
Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a coexistência entre esses dois tipos de bem de família, em uma decisão importante que corrobora a ideia de que não há revogação tácita da Lei 8.009/1990 pelo Código de Processo Civil (CPC) de 2015.
O Bem de Família Legal e o Bem de Família Voluntário
O bem de família legal é regulamentado pela Lei 8.009/1990 e protege o imóvel utilizado como residência da entidade familiar, independentemente de formalizações adicionais. Ou seja, basta que o imóvel seja efetivamente utilizado para moradia para que ele seja impenhorável, salvo em algumas exceções previstas pela própria lei, como em casos de dívidas relacionadas ao próprio imóvel (por exemplo, financiamento da casa própria) ou obrigações alimentícias. Essa proteção automática visa garantir que o núcleo familiar não seja privado do seu lar devido a dívidas de seus membros.
Por outro lado, o bem de família voluntário é instituído por vontade do proprietário, com base no artigo 1.711 do Código Civil (CC), por meio de escritura pública registrada no cartório de imóveis. O proprietário do imóvel escolhe, de forma voluntária, que seu imóvel será destinado à moradia da família e, assim, estará protegido contra penhoras, desde que respeitado o limite patrimonial (um terço do patrimônio líquido) e formalizado o registro. Essa modalidade oferece uma proteção adicional ao bem de família, que pode ser mais flexível, mas requer mais formalidades legais para ser constituída.
Principais Diferenças:
A Decisão do STJ: Coexistência e Não Revogação Tácita
O caso que levou à decisão do STJ envolvia uma execução fiscal ajuizada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) contra uma empresa e seus devedores solidários. Durante o processo, um dos devedores alegou que o imóvel utilizado como moradia de sua família deveria ser protegido pela impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990. Inicialmente, o tribunal de segunda instância afastou a impenhorabilidade, argumentando que a entrada em vigor do CPC/2015 teria revogado tacitamente os dispositivos da Lei 8.009/1990.
No entanto, o ministro Paulo Sérgio Domingues, relator do recurso, afastou a tese de revogação tácita e reafirmou que a Lei 8.009/1990, que trata do bem de família legal, continua em vigor e não foi revogada pelo CPC/2015. O ministro destacou que o próprio Código de Processo Civil admite a convivência de outras declarações legais de impenhorabilidade, como a Lei 8.009/1990.
De acordo com o relator, o fato de o imóvel não estar registrado formalmente como bem de família voluntário não o torna penhorável, uma vez que a Lei 8.009/1990 já confere proteção ao imóvel utilizado como moradia, independentemente do registro formal. O artigo 832 do CPC também sustenta essa convivência, permitindo que o bem de família legal continue sendo reconhecido como impenhorável, mesmo quando não registrado. A tese que defendia a revogação do diploma legal foi refutada, por ser incompatível com a prática jurídica que, desde o Código Civil de 1916 até os dias atuais, protege o imóvel familiar.
A Impossibilidade de Revogação Tácita e a Garantia do Direito à Moradia
O entendimento do STJ esclarece que o bem de família legal e o bem de família voluntário não estão em um regime de exclusão, mas sim de coexistência. Ambos os regimes têm a mesma finalidade: proteger a residência da família, resguardando-a de penhoras e execuções que possam comprometer a moradia. A diferença entre eles reside na formalidade: enquanto o bem de família voluntário exige a instituição formal e o registro do imóvel, o bem de família legal é automático, não necessitando de formalizações adicionais.
Em sua decisão, o STJ destacou que a proteção ao bem de família é um direito fundamental, que não deve ser reduzido ou enfraquecido. A decisão também reforça que o rol de impenhorabilidades do artigo 833 do CPC, que estabelece as situações em que bens podem ser penhorados, não é exaustivo. Ou seja, a legislação brasileira permite que existam outras formas de proteção do patrimônio familiar, e a convivência entre normas que garantem a impenhorabilidade é perfeitamente válida.
Conclusão: Garantia de Dignidade e Segurança para as Famílias
A decisão do STJ fortalece a segurança jurídica em torno da proteção à moradia da família, uma vez que afirma a coexistência entre os dois tipos de bem de família, afastando a interpretação de revogação tácita da Lei 8.009/1990 pelo CPC/2015. Isso significa que, mesmo que o imóvel não esteja registrado como bem de família voluntário, ele continua protegido pela impenhorabilidade prevista pela Lei 8.009/1990, desde que seja utilizado como moradia.
A proteção do bem de família, seja ele legal ou voluntário, garante à família o direito de manter sua residência, elemento essencial para a dignidade humana. Essa decisão reitera a importância da moradia como um direito fundamental, assegurando que as famílias brasileiras possam viver com mais segurança e estabilidade, sem o risco de perder seu lar devido a dívidas.
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Leia o acórdão no REsp 2.133.984.
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